ISS – Para expedição do “habite-se”

Artigos   |  05/05/2020

ISS – Para expedição do “habite-se”

É permitido exigir o comprovante de quitação do ISS para a expedição do “habite-se”?

Exigência ilegal de comprovante de quitação do ISS como condição para expedição do “habite-se”

Aviso aos leitores: nosso texto baseou-se na legislação paulistana, todavia, esta situação ocorre em inúmeros municípios brasileiros.

A exigência de comprovação de quitação de débitos fiscais ou trabalhistas refoge à natureza do “habite-se”, caracterizando-se como exigência ilegal da Administração, que dispõe de diversos meios para cobrar seus créditos.

Todavia, a Prefeitura de São Paulo, valendo-se da previsão do artigo 83, inciso I, da Lei Municipal nº 6.989, de 29 de Dezembro de 1966, abaixo transcrita, forjada em total descompasso e anacronismo em relação ao sistema tributário nacional atualmente vigente, exige a comprovação de quitação do Imposto Sobre Serviços (ISS) como requisito para expedição do “habite-se”.

Art. 83. A prova de quitação deste imposto é indispensável:

I – à expedição de “Habite-se” ou “Auto de Vistoria” e à conservação de obras particulares;

O artigo 33, § 4º, do Decreto Municipal 53.151, de 17 de maio de 2012 (Regulamento do ISS), bem como o artigo 12, inciso IV, do Decreto Municipal 45.324, de 24 de setembro de 2004, corroboram a exação, in verbis:

Art. 33. A Secretaria Municipal de Finanças, após a constatação de que o Imposto foi efetivamente recolhido, ou de que se trata das hipóteses de isenção previstas nos artigos 144 e 145 deste regulamento, fornecerá ao proprietário da obra o respectivo “Certificado de Quitação”, segundo modelo por ela aprovado.

§ 4º. O certificado de que trata este artigo deve ser exigido pela unidade competente, sob pena de responsabilidade, na instrução do processo administrativo de expedição de “Habite-se” ou “Auto de Conclusão” e na conservação ou regularização de obras particulares.

Art. 12. A regularização da edificação dependerá da apresentação pelo proprietário, possuidor do imóvel, ou seu representante legal devidamente identificado, dentro do prazo estabelecido no artigo 31 deste decreto, dos seguintes documentos:

IV – comprovante de recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS, relativo à área a ser regularizada, observando o disposto no Capítulo VI deste decreto;

Ainda, a Seção 3.D, item 3.D.4, do Capítulo 3, da Portaria nº 221, emitida pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), em 20 de julho de 2017, exige a

apresentação do certificado de quitação do ISS, para a emissão do certificado de conclusão da obra (“habite-se”).

Seção 3.D – CERTIFICADO DE CONCLUSÃO

3.D.4. Certificado de Quitação do Imposto Sobre Serviços – ISS relativo à obra ou serviço executado.

Ocorre que o inciso I, do artigo 83, da Lei Municipal nº 6.989, de 29 de Dezembro de 1966, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez que é incompatível com as limitações gerais ao poder de tributar.

As Autoridades Fazendárias dispõem de instrumento legal próprio (e efetivo) para levar a efeito a cobrança dos tributos, qual seja, a ação de execução fiscal, prevista na Lei n° 6.830, de 22 de setembro de 1980.

Acatar a exigência de apresentação do certificado de quitação do ISS como condição sine qua non para concessão do “habite-se” seria admitir a cobrança de forma coatora pela Municipalidade, de maneira que tal exigência acabaria por servir de instrumento a compelir o contribuinte ao adimplemento de obrigação.

Neste sentido, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, na lavra do Ilustre Ministro Celso de Mello, in verbis:

“(…) Limitações arbitrárias que não podem ser impostas pelo Estado ao contribuinte em débito, sob pena de ofensa ao “substantive due process of law”. Impossibilidade constitucional de o estado legislar de modo abusivo ou imoderado (RTJ 160/140-141 RTJ 173/807-808 RTJ 178/22-24). O Poder de Tributar que encontra limitações essenciais no próprio texto constitucional, instituídas em favor do contribuinte “não pode chegar à desmedida do poder de destruir” (Min. Orosimbo Nonato, RDA 34/132). A prerrogativa estatal de tributar traduz poder cujo exercício não pode comprometer a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria do contribuinte. A significação tutelar, em nosso sistema jurídico, do “estatuto constitucional do contribuinte”. Doutrina. Precedentes. Recurso extraordinário a que se nega seguimento”. (ARE 731833, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 07/02/2013, publicado em DJe-034 DIVULG 20/02/2013 PUBLIC 21/02/2013)

Também é favorável ao contribuinte a lavra do Ilustre Jurista Gilberto Rodrigues Gonçalves, in verbis:

“As Prefeituras encontram, no momento da outorga do ‘habite-se’, um gargalo para concentrar a sua ação fiscal. Estabelecem a condição: deve ser comprovada a regularidade dos recolhimentos antes de ser liberado o auto de vistoria.

(…)

Nos últimos tempos, a exigência municipal de só conceder o auto de vistoria mediante a prova preliminar de que não há ISS a ser recolhido passou a sofrer o combate das decisões judiciais.

(…)

O Poder Judiciário não aceita que os Municípios utilizem o documento de regularidade como meio de pressionar o contribuinte ou responsável”.

(GONÇALVES, Gilberto Rodrigues. ISS na Construção Civil, Editora RBB, 1ª edição, 1998, pág. 82/83.)

Não obstante o posicionamento do poder público, a jurisprudência é pacífica ao reconhecer a ilegalidade do comportamento do Fisco, tido como meio de coerção ou restritivo da atividade do contribuinte.

Neste sentido, o entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal:

Súmula 70: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

Súmula 323: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

Súmula 547: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

O entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não é diferente. Confira-se:

“A expedição do habite-se não se confunde com a exigência do ISS, o primeiro é uma taxa que se cobra para verificação das condições de habitabilidade do prédio, depois de pronto, e o segundo, é imposto incidente sobre prestação de serviço, sendo distintos os fatos que geram um e outro e, por isso, não se pode condicionar a expedição do habite-se ao pagamento do ISSQN, quando devido” (Apelação nº 512.058.5/0, 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 09.02.2006).

MANDADO DE SEGURANÇA c.c. PEDIDO DE LIMINAR – ISS – Município de Guarulhos – Expedição do “habite-se” condicionada ao pagamento do referido tributo – Exigência indevida – Precedentes desta C. Câmara – Inviabilidade por inexistência de amparo jurídico – Sentença mantida – Recurso oficial, único interposto, não provido.

(TJSP; Remessa Necessária Cível 1003016-32.2018.8.26.0642; Relator (a): Silva Russo; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Guarulhos – 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 31/03/2020; Data de Registro: 02/04/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Ação anulatória de débito fiscal – Tutela provisória. 1) ISS – Construção Civil – Exigência de recolhimento de diferença do tributo – Alegada ilegalidade da alteração da base de cálculo e do arbitramento do imposto, nos termos do art. 148 do CTN – Ausência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito – Necessidade de dilação probatória, conforme requerido pela própria agravante. 2) “Habite-se” – Expedição condicionada ao pagamento do ISS – Impossibilidade – Não se pode obstar a expedição do habite-se em razão da existência de débitos de ISS – Precedentes deste Egrégio Tribunal de Justiça – Pressupostos para a concessão da medida verificados – Inteligência do art. 300 do CPC – Decisão parcialmente reformada – Recurso parcialmente provido.

(TJSP; Agravo de Instrumento 2274716-19.2019.8.26.0000; Relator (a): Eutálio Porto; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 12ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 10/03/2020; Data de Registro: 10/03/2020)

APELAÇÃO – Mandado de Segurança – Município de São Paulo – Concessão de “habite-se” condicionada ao pagamento do ISS – Inadmissibilidade – Vedação da utilização de meio indireto de coerção para fins de pagamento de tributo – Precedentes – Sentença que concedeu a segurança mantida – Remessa necessária, que se considera interposta e recurso voluntário da Fazenda Municipal improvidos.

(TJSP; Apelação Cível 1024243-65.2019.8.26.0053; Relator (a): Rezende Silveira; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 1ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 12/02/2020; Data de Registro: 12/02/2020)

Mandado de Segurança. ISS. Lei Municipal n. 1.011/1989. Vinculação da emissão do “habite-se” ao pagamento de ISS sobre construção civil. Sentença que concedeu a segurança pleiteada nos autos do Mandado de Segurança, para afastar o condicionamento da expedição do Certificado de Conclusão de Obra (“habite-se”), relativamente ao empreendimento descrito na inicial, ao pagamento de débitos de ISS em nome da impetrante. Pretensão à reforma. Desacolhimento. Município que dispõe de meios próprios para satisfação do crédito tributário quando o valor é devido. Vedação da autotutela estatal para fins coercitivos em matéria tributária. Precedentes do STJ e deste TJSP, baseados nas Súmulas 70, 323 e 547 do STF, que impedem a negação do “habite-se” como forma de forçar o cumprimento de obrigações tributárias, as quais possuem formas próprias de exação. Recursos oficial e voluntário não providos.

(TJSP; Apelação Cível 1003016-32.2018.8.26.0642; Relator (a): Ricardo Chimenti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de Ubatuba – 2ª Vara; Data do Julgamento: 17/12/2019; Data de Registro: 17/12/2019)

HABITE-SE – Condicionamento da expedição do documento à comprovação de quitação do ISS – Impossibilidade — Ato administrativo municipal que deve se limitar ao exame da regularidade formal da obra, no exercício do poder de polícia, sem condicioná-lo à quitação de tributos, sob pena de configuração de abuso de direito, pelo meio indireto e coercitivo da cobrança de dívidas fiscais, sem a utilização do procedimento adequado para tal — Vedação pelas súmulas 70, 323 e 547 do STF RECURSOS NÃO PROVIDOS. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1013514-82.2016.8.26.00.53; Relator (a): Fortes Muniz; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 9ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 29/11/2018; Data de Registro: 30/11/2018)(g.n.)

Mandado de Segurança. Emissão de habite-se condicionado ao pagamento de ISS. Art. 46 da LCM 178/2003. Sentença que reconheceu a ilegalidade do condicionamento da expedição do “habite-se” à quitação de tributos, denegando, todavia, a extensão da declaração para empreendimentos futuros e não concluídos. Pretensão à reforma manifestada pelas impetrantes. Descabimento de extensão do provimento jurisdicional aos empreendimentos futuros ou não concluídos. Ausência de ameaça efetiva a direito líquido e certo e exigível no ato da impetração. Necessidade de reexame obrigatório (art. 14, § 1º, da Lei 12.016/2009). Município que dispõe de meios próprios para satisfação do crédito tributário quando o valor é devido. Vedação da autotutela estatal para fins coercitivos em matéria tributária. Precedentes do STF, do STJ e deste TJSP, baseados nas Súmulas 70, 323 e 547 do STF. Sentença mantida. Recurso de apelação não provido, nada havendo a ser acrescentado em reexame obrigatório.

(TJSP; Apelação 1059120-19.2016.8.26.0576; Relator (a): Ricardo Chimenti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de São José do Rio Preto – 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 13/09/2018; Data de Registro: 18/09/2018)(g.n.)

MANDADO DE SEGURANÇA – Exigência de pagamento antecipado do ISS sobre a construção, condicionando a expedição do alvará de execução à sua quitação – Impossibilidade – A Municipalidade deve se limitar ao exame da regularidade forma da obra, no exercício do poder de polícia administrativo, sem condicionamento da quitação de tributos, sob pena de configuração de abuso de direito, pelo meio indireto e coercitivo da cobrança de dívidas fiscais, sem a utilização do meio adequado – Sentença mantida – Recursos oficial, que se considera interposto e voluntário da Municipalidade improvidos.

(TJSP; Apelação 1013208-24.2015.8.26.0482; Relator (a): Rezende Silveira; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Presidente Prudente – Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 09/11/2017; Data de Registro: 14/11/2017)

RECURSO EX OFFICIO – AÇÃO ANULATÓRIA – ISSQN – (…) – Concessão de “habite-se” condicionada ao pagamento do ISS – Inadmissibilidade – Dano moral não configurado, pois o exercício da atividade fiscalizatória e da constituição do crédito tributário, em si mesmo, não configura o dano moral – Sentença que julgou procedente em parte o pedido, afastando a indenização por dano moral mantida, inclusive quanto a repartição do ônus da sucumbência – Recurso improvido. (TJSP; Reexame Necessário 1021464-25.2016.8.26.0577; Relator (a): Rezende Silveira; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de São José dos Campos – 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 24/08/2017; Data de Registro: 29/08/2017)

Mandado de Segurança. Decisão que concedeu a liminar para que as autoridades impetradas se abstenham de exigir da impetrante a quitação do ISS como condição para a emissão do “habite-se”. Pretensão à reforma. Desacolhimento. Precedentes deste Tribunal Estadual e desta Câmara no sentido da impossibilidade de ser negado o “habite-se” como forma de forçar o cumprimento de obrigações tributárias, que possuem formas próprias de exação. Decisão mantida. Recurso não provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2242256-81.2016.8.26.0000; Relator (a): Ricardo Chimenti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de São José do Rio Preto – 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 29/06/2017; Data de Registro: 06/07/2017)

Conclui-se, portanto, que eventual ato coator da Prefeitura, caracterizado pelo indeferimento do processo administrativo de regularização de obra, transcende os limites objetivos da atividade administrativa e deve ser liminarmente afastado pelo Poder Judiciário.

Pedimos vênia para abaixo transcrever julgados favoráveis que nosso escritório já obteve a este respeito:

Em primeiro grau

Mandado de Segurança nº 1042825-84.2017.8.26.00.53

Juíza de Direito: Lais Helena Bresser Lang

Vistos.

Trata-se de mandado de segurança impetrado por ____ contra ato do Secretária Municipal de Urbanismo e Licenciamento, objetivando a concessão da segurança para que seja expedido o “habite-se”, independente de recolhimento de ISS. Narra que construiu, entre 1996 e 2000 um imóvel em terreno de sua propriedade, localizado na Rua ____. Em 2007 a Prefeitura lançou o respectivo ISS através de edital, porém em sede de Embargos à Execução, o autor teve declarada a inexigibilidade da CDA de nº ____, referente ao crédito do ISS em questão. Como ainda não tinha ocorrido o trânsito em julgado dos referidos Embargos à Execução, a impetrada continua se recusando a emitir o “habite-se” sem a comprovação da quitação do ISS. Juntou documentos e deu à causa o valor de R$ 1.000,00.

A liminar foi deferida às fls. 76.

Informações prestadas às fls. 84/86, defendendo que a exigência do recolhimento do ISS para a concessão do “habite-se” encontra-se de forma clara prevista na legislação paulistana (Lei 6989/66).

O representante do Ministério Público deixou de ofertar parecer de mérito, pelos motivos invocados a fls. 90/92.

É o Relatório. Fundamento e decido.

Não se discute nestes a existência ou não de fato gerador do ISS e tampouco a validade da cobrança, mas apenas a legalidade do condicionamento da expedição do “habite-se” à prévia quitação de tributo.

A Municipalidade exige a quitação do ISSQN para a expedição do “Habite-se” com fulcro no artigo 83, inciso I, da Lei Municipal nº 6.989/1966 (Código Tributário Municipal), cujo texto assim dispõe:

Artigo 83 – A prova de quitação deste imposto é indispensável: I à expedição de “Habite-se” ou “Auto de Vistoria” e à conservação de obras particulares; (…)

Ocorre que referida norma, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, em razão de sua incompatibilidade material com as limitações ao poder de tributar impostas no texto constitucional. Nessa esteira se pronunciou o Egrégio Supremo Tribunal Federal ao decidir questão análoga:

Sanções Políticas no Direito Tributário. Inadmissibilidade da utilização, pelo poder público, de meios gravosos e indiretos de coerção estatal destinados a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo (Súmulas 70, 323 e 547 do STF). Restrições estatais, que, fundadas em exigências que transgridem os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em sentido estrito, culminam por inviabilizar, sem justo fundamento, o exercício, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de atividade econômica ou profissional lícita. Limitações arbitrárias que não podem ser impostas pelo Estado ao contribuinte em débito, sob pena de ofensa ao “substantive due process of law”. Impossibilidade constitucional de o estado legislar de modo abusivo ou imoderado (RTJ 160/140-141 RTJ 173/807-808 RTJ 178/22-24). O Poder de Tributar que encontra limitações essenciais no próprio texto constitucional, instituídas em favor do contribuinte “não pode chegar à desmedida do poder de destruir” (Min. Orosimbo Nonato, RDA 34/132).

A prerrogativa estatal de tributar traduz poder cujo exercício não pode comprometer a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria do contribuinte. A significação tutelar, em nosso sistema jurídico, do “estatuto constitucional do contribuinte”. Doutrina. Precedentes. Recurso extraordinário a que se nega seguimento. (ARE nº 731833/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. em 07.02.2013)

E não se pode olvidar que o Certificado de Conclusão de Obra (“habite-se”) é um documento emitido pela Administração que apenas atesta que o imóvel foi construído em conformidade com as boas técnicas da construção civil e seguindo os critérios aprovados pelos órgãos competentes, conforme Código de Obras do Município. Por isso, exigir a comprovação de quitação de débitos fiscais ou trabalhistas refoge à natureza do documento, caracterizando-se como exigência ilegal da Administração, a qual dispõe de diversos outros meios para cobrar seus créditos.

Em razão disso, entendo que constitui flagrante requisito ilegal e abusivo o condicionamento da expedição do “habite-se” à quitação do ISS, pois não se compatibiliza com o texto constitucional e com o entendimento jurisprudencial amplamente dominante e representa forma coercitiva de obter o pagamento de débito tributário.

Neste sentido:

Apelação – Ação Anulatória de Débito Fiscal – ISSQN – Serviços de Construção civil por administração e serviços auxiliares – Exigência pela Municipalidade do recolhimento de diferença do ISSQN – Sentença de procedência. Preliminar – Alegação de ausência de interesse processual Afastada. Mérito – Discussão quanto a base de cálculo a ser adotada para a cobrança do imposto Utilização pela Municipalidade de “pauta fiscal”, com base na Lei n. 13.701/03, art. 14, §3° e Portaria n. 24/2012) – Impossibilidade – Aplicação do artigo 7º da LC nº 116/2003- Comprovação de que houve o recolhimento do tributo, através da retenção nas notas fiscais. Vinculação da expedição do certificado de conclusão (habite-se) ao recolhimento do imposto – Inadmissibilidade – Sentença mantida – Recurso não provido. (TJ-SP , Relator: Cláudio Marques, Data de Julgamento: 09/03/2017, 14ª Câmara de Direito Público)

Ante o exposto, concedo a segurança, com base no art. 487, I, do Código de Processo Civil de 2015, para determinar que seja expedido o “habite-se” independente de comprovação de quitação do ISS. Custas e despesas processuais a cargo da impetrada. Sem condenação em honorários de sucumbência, pois indevidos na espécie, nos termos do art. 25, da Lei 12.016/09. Sentença sujeita a reexame necessário. Oportunamente, com o trânsito, arquivem-se, com as devidas anotações.

P.R.I.

Em primeiro grau:

Mandado de Segurança nº 1042825-84.2017.8.26.00.53

Juíza de Direito: Lais Helena Bresser Lang

Vistos.

1. Diante das alegações expendidas na inicial e documentos que a acompanham, notadamente a existência de outros meios de exigibilidade do ISS, sem fundamento fático ou jurídico para que seja exigido como pressuposto sine qua non do habite-se, frente outrossim a precedentes sumulados do STF, defiro a liminar, para que a emissão do certificado de conclusão de obra não seja condicionada ao prévio recolhimento de débitos de ISS pendentes, valendo a presente como ofício, a ser encaminhado diretamente pelo impetrante.

(…)

Em segundo grau:

Voto nº 42586

Relator: Desembargador José Luiz Gavião de Almeida

(…)

É o relatório.

Cinge-se a controvérsia em saber se é legal o condicionamento da expedição do “habite-se” à prévia quitação do ISS.

Insiste a Municipalidade no fato de que somente havendo a quitação do ISS é que se pode expedir o “habite-se”, de acordo com o art. 83 I do Código Tributário Nacional, que assim determina:

“Art. 83. A prova de quitação deste imposto é indispensável:

I – à expedição do “Habite-se” ou “Auto de Vistoria” e à conservação de obras particulares”.

Entretanto, referida norma não foi recepcionada pela Constituição Federal, haja vista a sua incompatibilidade material com as limitações impostas ao poder de tributar previstas no texto constitucional.

Nesse sentido, a posição do Supremo Tribunal Federal, transcrita a fls. 95, pela ilustre Juíza oficiante.

O objetivo do certificado de conclusão de obra, ou seja, do “habite-se” é o de atestar que o imóvel foi construído de acordo com as normas técnicas da construção civil, seguindo os critérios aprovados pelos órgãos competentes, segundo o Código de Obras do Município.

Assim, não faz sentido exigir a comprovação da quitação de débitos fiscais e trabalhistas, para que se conceda o “habite-se”, tratando-se, evidentemente, de uma exigência ilegal da Municipalidade, que tem inúmeros outros meios para conseguir obter o crédito tributário cobrado.

Portanto, a exigência feita pela Administração Pública é ilegal e abusiva, não sendo compatível com o texto constitucional e a posição predominante nos Tribunais, tratando-se de forma coercitiva de obter o pagamento do crédito tributário, o que não é aceitável.

Mantém-se, pois, a decisão de primeiro grau, em seus exatos termos e por seus próprios fundamentos.

Dessarte nega-se provimento aos recursos.

VOLTAR

NEWSLETTER

Cadastre seu e-mail para receber